Isso que é desabafo-protesto! Era quase tudo que eu tinha vontade de falar!
Esta é uma carta escrita pela professora aposentada Martha de Freitas Azevedo Pannunzio, 74 anos de Uberlândia, lida pelo senador Álvaro Dias no plenário so Senado Federal.
Bom dia, dona Dilma!
Eu também assisti ao seu pronunciamento
risonho e maternal na véspera do Dia das Mães.
Como cidadã da classe média, mãe, avó e bisavó, pagadora de impostos
escorchantes descontados na fonte no meu contracheque de professora
aposentada da rede pública mineira e em cada Nota Fiscal Avulsa de
Produtora Rural, fiquei preocupada com o anúncio do BRASIL CARINHOSO.
Brincando de mamãe Noel, dona Dilma? Em ano de eleição municipalista? Faça-me o favor, senhora presidentA!
É preciso que o Brasil crie um mecanismo bastante severo de controle
dos impulsos eleitoreiros dos seus executivos (presidente da república,
governador e prefeito) para que as matracas de fazer voto sejam banidas
da História do Brasil.
Setenta reais per capita para as famílias miseráveis
que têm filhos entre 0 a 06 anos foi um gesto bastante generoso que vai
estimular o convívio familiar destas pessoas, porque elas irão, com
certeza, reunir sob o mesmo teto o maior número de dependentes para
“engordar” sua renda. Por outro lado mulheres e homens miseráveis irão
correndo para a cama produzir filhos de cinco em cinco anos.
Este é, sem dúvida, um plano qüinqüenal engenhoso de estímulo à
vagabundagem, claramente expresso nas diversas bolsas-esmola do governo
do PT.
É muito fácil dar bom dia com chapéu alheio. É muito fácil fazer
gracinha, jogar para a platéia. É fácil e é um sintoma evidente de que
se trabalha (que se governa, no seu caso) irresponsavelmente.
Não falo pelos outros, dona Dilma. Falo por mim. Não votei na senhora.
Sou bastante madura, bastante politizada, marxista, sobrevivente da
ditadura militar e radicalmente nacionalista.
Eu jamais votei nem votarei num petista, simplesmente porque a cartilha doutrinária do PT é raivosa e burra.
E o governo é paternalista, provedor, pragmático no mau sentido, e
delirante. Vocês são adeptos do “quanto pior, melhor”. São
discricionários, praticantes do “bullying” mais indecente da História do
Brasil.
Em 1988 a Assembléia Nacional Constituinte, numa queda-de-braço
espetacular, legou ao Brasil uma Carta Magna bastante democrática e
moderna. No seu Art. 5º está escrito que todos são iguais perante a
lei*. Aí, quando o PT foi ao paraíso, ele completou esta disposição,
enfiando goela abaixo das camadas sociais pagadoras de imposto seu modus
governandi a partir do qual todos são iguais perante a lei, menos os
que são diferentes: os beneficiários das cotas e das bolsas-esmola. A
partir de vocês. Sr. Luís Inácio e dona Dilma, negro é negro, pobre é
pobre e miserável é miserável. E a Constituição que vá para a pqp. Vocês
selecionaram estes brasileiros e brasileiras, colocaram-nos no tronco,
como eu faço com o meu gado, e os marcaram com ferro quente, para não
deixar dúvida de que são mal-nascidos. Não fizeram propriamente uma
exclusão, mas fizeram, com certeza, publicamente, uma apartação étnica e
social. E o PROUNI se transformou num balcão de empréstimo pró escolas
superiores particulares de qualidade bem duvidosa, convalidadas pelo
Ministério de Educação. Faculdades capengas, que estavam na UTI
financeira e deveriam ter sido fechadas a bem da moralidade, da ética e
da saúde intelectual, empresarial, cultural e política do País. A Câmara
Federal endoidou? O Senado endoidou? O STJ endoidou? O ex-presidente e
a atual presidentA endoidaram? Na década de 60 e 70 a gente lutou por
uma escola de qualidade, laica, gratuita e democrática. A senhora disse
que estava lá, nesta trincheira, se esqueceu disto, dona Dilma? Oi, por
favor, alguém pare o trem que eu quero descer!
Uma escola pública decente, realista, sintonizada com um País
empreendedor, com uma grade curricular objetiva, com professores bem
remunerados, bem preparados, orgulhosos da carreira, felizes, é disto
que o Brasil precisa. Para ontem. De ensino técnico,
profissionalizante. Para ontem. Nossa grade curricular é tão superficial
e supérflua, que o aluno chega ao final do ensino médio incapaz de
conjugar um verbo, incapaz de localizar a oração principal de um período
composto por coordenação. Não sabe tabuada. Não sabe regra de três. Não
sabe calcular juros. Não sabe o nome dos Estados nem de suas capitais.
Em casa não sabe consertar o ferro de passar roupa. Não é capaz de
fritar um ovo. O estudante e a estudantA brasileiros só servem para
prestar vestibular, para mais nada. E tomar bomba, o que é mais triste.
Nossos meninos e jovens lêem (quando lêem), mas não compreendem o que
leram. Estamos na rabeira do mundo, dona Dilma. Acorde! Digo isto com
conhecimento de causa porque domino o assunto. Fui a vida toda
professora regente da escola pública mineira, por opção política e
ideológica, apesar da humilhação a que Minas submete seus professores. A
educação de Minas é uma vergonha, a senhora é mineira (é?), sabe disto
tanto quanto eu. Meu contracheque confirma o que estou informando.
Seu presente para as mães miseráveis seria muito mais aplaudido se
anunciasse apenas duas decisões: um programa nacional de planejamento
familiar a partir do seu exemplo, como mãe de uma única filha, e uma
escola de um turno só, de doze horas. Não sabe como fazer isto? Eu
ajudo. Releia Josué de Castro, A GEOGRAFIA DA FOME. Releia Anísio
Teixeira. Releia tudo de Darcy Ribeiro. Revisite os governos gaúcho e
fluminense de seu meio-conterrâneo e companheiro de PDT, Leonel Brizola.
Convide o senador Cristovam Buarque para um café-amigo, mesmo que a
Casa Civil torça o nariz. Ele tem o mapa da mina.
A senhora se lembra dos CIEPs? É disto que o Brasil precisa. De escola
em tempo integral, igual para as crianças e adolescentes de todas as
camadas, miseráveis ou milionárias. Escola com quatro refeições diárias,
escova de dente e banho. E aulas objetivas, evidentemente. Com
biblioteca, auditório e natação. Com um jardim bem cuidado, sombreado,
prazeroso. Com uma baita horta, para aprendizado dos alunos e
abastecimento da cantina. Escola adequada para os de zero a seis, para
estudantes de ensino fundamental e para os de ensino médio, em
instalações individuais para um máximo de quinhentos alunos por prédio.
Escola no bairro, virando a esquina de casa. De zero a dezessete anos.
Dê um pulinho na Finlândia, dona Dilma. No aerolula dá pra chegar num
piscar de olhos. Vá até lá ver como se gerencia a educação pública com
responsabilidade e resultado. Enquanto os finlandeses amam a escola, os
brasileiros a depredam. Lá eles permanecem. Aqui a evasão é exorbitante.
Educação custa caro? Depende do ponto de vista de quem analisa. Só que
educação não é despesa. É investimento. E tem que ser feita por qualquer
gestor minimamente sério e minimamente inteligente. Povo educado ganha
mais, consome mais, come mais corretamente, adoece menos e recolhe mais
imposto para as burras dos governos. Vale à pena investir mais em
educação do que em caridade, pelo menos assim penso eu, materialista
convicta.
Antes que eu me esqueça e para ser bem clara: planejamento familiar não
tem nada a ver com controle de natalidade. Aliás, é a única medida capaz
de evitar a legalização do controle de natalidade, que é uma medida
indesejável, apesar de alguns países precisarem recorrer a ela.
Uberlândia, inspirada na lei de Cascavel, Paraná, aprovou, em novembro
de 1992, a lei do planejamento familiar. Nossa cidade foi a segunda do
Brasil a tomar esta iniciativa, antecipando-se ao SUS. Eu, vereadora à
época, fui a autora da mesma e declaro isto sem nenhuma vaidade, apenas
para a senhora saber com quem está falando.
Senhora PresidentA, mesmo não tendo votado na senhora, torço pelo
sucesso do seu governo como mulher e como cidadã. Mas a maior torcida é
para que não lhe falte discernimento, saúde nem coragem para empunhar o
chicote e bater forte, se for preciso. A primeira chibatada é o seu veto
a este Código Florestal, que ainda está muito ruim, precisado de muito
amadurecimento e aprendizado. O planeta terra é muito mais importante do
que o lucro do agronegócio e a histeria da reforma agrária fajuta que
vocês estão promovendo. Sou fazendeira e ao mesmo tempo educadora
ambiental. Exatamente por isto não perco a sensatez. Deixe o Congresso
pensar um pouco mais, afinal, pensar não dói e eles estão em Brasília,
bem instalados e bem remunerados, para isto mesmo. E acautele-se durante
o processo eleitoral que se aproxima. Pega mal quando um político usa a
máquina para beneficiar seu partido e sua base aliada. Outros usaram? E
daí? A senhora não é “os outros”. A senhora á a senhora, eleita pelo
povo brasileiro para ser a presidentA do Brasil, e não a presidentA de
um partidinho de aluguel, qualquer.
Se conselho fosse bom a gente não dava, vendia. Sei disto, é claro.
Assim mesmo vou aconselhá-la a pedir desculpas às outras mães excluídas
do seu presente: as mães da classe média baixa, da classe média média,
da classe média alta, e da classe dominante, sabe por quê? Porque somos
nós, com marido ou sem marido, que, junto com os homens produtivos,
geradores de empregos, pagadores de impostos, sustentamos a carruagem
milionária e a corte perdulária do seu governo tendencioso, refém do PT e
da base aliada oportunista e voraz.
A senhora, confinada no seu palácio, conhece ao vivo os beneficiários da
Bolsa-família? Os muitos que eu conheço se recusam a aceitar qualquer
trabalho de carteira assinada, por medo de perder o benefício. Estou
firmemente convencida de que este novo programa, BRASIL CARINHOSO, além
de não solucionar o problema de ninguém, ainda tem o condão de produzir
uma casta inoperante, parasita social, sem qualificação profissional,
que não levará nosso País a lugar nenhum. E, o que é mais grave, com o
excesso de propaganda institucional feita incessantemente pelo governo
petista na última década, o Brasil está na mira dos desempregados do
mundo inteiro, a maioria qualificada, que entrarão por todas as portas e
ocuparão todos os empregos disponíveis, se contentando até mesmo com a
informalidade. E aí os brasileiros e brasileiras vão ficar chupando
prego, entregues ao deus-dará, na ociosidade que os levará à
delinqüência e às drogas.
Quem cala, consente. Eu não me calo. Aos setenta e quatro anos, o que eu
mais queria era poder envelhecer despreocupada, apesar da pancadaria de
1964. Isto não está sendo possível. Apesar de ter lutado a vida toda
para criar meus cinco filhos, de ter educado milhares de alunos na rede
pública, o País que eu vou legar aos meus descendentes ainda está na
estaca zero, com uma legislação que deu a todos a obrigação de votar e o
direito de votar e ser votado, mas gostou da sacanagem de manter a
maioria silenciosa no ostracismo social, desprecisada e desinteressada
de enfrentar o desafio de lutar por um lugar ao sol, de ganhar o pão com
o suor do seu rosto. Sem dignidade, mas com um título de eleitor na
mão, pronto para depositar um voto na urna, a favor do político
paizão/mãezona que lhe dá alguma coisa. Dar o peixe, ao invés de ensinar
a pescar, esta foi a escolha de vocês.
A senhora não pediu minha opinião, mas vai mandar a fatura para eu
pagar. Vai. Tomou esta decisão sem me consultar. Num país com taxa de
crescimento industrial abaixo de zero, eu, agropecuarista,
burro-de-carga brasileiro, me dou o direito de pensar em voz alta e o
dever de me colocar publicamente contra este cafuné na cabeça dos
miseráveis. Vocês não chegaram ao poder agora. Já faz nove anos, pense
bem! Torraram uma grana preta com o FOME ZERO, o bolsa-escola, o
bolsa-família, o vale-gás, as ONGs fajutas e outras esmolas que tais.
Esta sangria nos cofres públicos não salvou ninguém? Não refrescou
niente? Gostaria que a senhora me mandasse o mapeamento do Brasil
miserável e uma cópia dos estudos feitos para avaliar o quantitativo de
miseráveis apurado pelo Palácio do Planalto antes do anúncio do BRASIL
CARINHOSO. Quero fazer uma continha de multiplicar e outra de dividir,
só para saber qual a parte que me toca nesta chamada de capital.
Democracia é isto, minha cara. Transparência. Não ofende. Não dói.
Ah, antes que eu me esqueça, a palavra certa é PRESIDENTE. Não sou
impertinente nem desrespeitosa, sou apenas professora de latim, francês e
português. Por favor, corrija esta informação.
Se eu mandar esta correspondência pelo correio, talvez ela pare na Casa
Civil ou nas mãos de algum assessor censor e a senhora nunca saberá que
desagradou alguém em algum lugar. Então vai pela internet. Com pessoas
públicas a gente fala publicamente para que alguém, ciente, discorde ou
concorde. O contraditório é muito saudável.
Não gostei e desaprovo o BRASIL CARINHOSO. Até o nome me incomoda.
R$2,00 (dois reais) por dia para cada familiar de quem tem em casa uma
criança de zero a seis anos, é uma esmolinha bem insignificante, bem
insultuosa, não é não, dona Dilma? Carinho de presidentA da república do
Brasil neste momento, no meu conceito, é uma campanha institucional a
favor da vasectomia e da laqueadura em quem já produziu dois filhos. É
mais creche institucional e laica. Mais escola pública e laica em tempo
integral com quatro refeições diárias. É professor dentro da sala de
aula, do laboratório, competente e bem remunerado. É ensino
profissionalizante e gente capacitada para o mercado de trabalho.
Eu podia vociferar contra os descalabros do poder público, fazer da
corrupção escandalosa o meu assunto para esta catilinária. Mas não.
Prefiro me ocupar de algo mais grave, muitíssimo mais grave, que é um
desvio de conduta de líderes políticos desonestos, chamado populismo,
utilizado para destruir a dignidade da massa ignara. Aliciar as classes
sociais menos favorecidas é indecente e profundamente desonesto. Eles
são ingênuos, pobres de espírito, analfabetos, excluídos? Os miseráveis
são. Mas votam, como qualquer cidadão produtivo, pagador de impostos.
Esta é a jogada. Suja.
A televisão mostra ininterruptamente imagens de desespero social. Neste
momento em todos os países, pobres, emergentes ou ricos, a população
luta, grita, protesta, mata, morre, reivindicando oportunidade de
trabalho. Enquanto isto, aqui no País das Maravilhas, a presidente
risonha e ricamente produzida anuncia um programa de estímulo à
vagabundagem. Estamos na contramão da História, dona Dilma!
Pode ter certeza de que a senhora conseguiu agredir a inteligência da
minoria de brasileiros e brasileiras que mourejam dia após dia para
sustentar a máquina extraviada do governo petista.
Último lembrete: a pobreza é uma conseqüência da esmola. Corta a esmola que a pobreza acaba, como dois mais dois são quatro.
Não me leve a mal por este protesto público. Tenho obrigação de
protestar, sabe por quê? Porque, de cada delírio seu, quem paga a conta
sou eu.
Atenciosamente,
Martha de Freitas Azevedo Pannunzio
Fazenda Água Limpa, Uberlândia, em 16-05-2012
marthapannunzio@hotmail.com CPF nº 394172806-78